CINQUENTA
ANTÔNIOS E UMA TRAGÉDIA: CANUDOS
Paulo
Emílio Matos Martins - Professor Adjunto FGV - UFF
"O heroísmo tem nos
sertões, para todo o sempre perdidas, tragédias espantosas."
Euclides da Cunha
INTRODUÇÃO
Não faz muito tempo publiquei um artigo derivado
de uma investigação que venho realizando, há quase dez anos, sobre o poder, a
autoridade e a organização do Belo Monte de Antônio Conselheiro. Originário das
marcas de leitura, das anotações feitas às margens dos textos consultados e da
surpresa ante a descoberta do significativo número de personagens denominados
ANTÔNIO (naquela época 31) entre os protagonistas que encenaram o grande drama
sertanejo, tal curiosidade levou-me à releitura daqueles trabalhos e dos
depoimentos colhidos entre estudiosos do tema, descendentes dos sobreviventes
do episódio e habitantes das regiões circunvizinhas. Desse estudo surge um
número cada vez maior de Antônios (agora são 50), como que competindo com a
avalanche de sofrimentos e misérias que os auto-proclamados arautos da
civilização fizeram desabar sobre o império do rei dos jagunços.
O ANTÔNIO FUNDADOR
Antônio Vicente Mendes Maciel, também
chamado Antônio dos Mares, Irmão Antônio, Santo Antônio Aparecido, Santo
Conselheiro, Bom Jesus Conselheiro, Senhor do Bonfim, Bom Jesus ou,
simplesmente, Conselheiro, líder religioso dos sertões do Nordeste do final do
século XIX, comerciante sem êxito, mestre-escola sem diploma, advogado não
bacharelado, arquiteto e construtor de capelas e açudes sem formação superior,
beato malvisto pela Igreja, pregador sem púlpito, moralista-cristão apaixonado,
peregrino errante, administrador autodidata, idealizador e organizador de uma
curiosa experiência social de inspiração comunitária.
No Ceará - sua terra natal - Conselheiro
passou os anos vernais de sua existência e de lá partiu para uma vida nômade
pelos sertões nordestinos após o fim de seu casamento com sua prima Brazilina
Laurentina de Lima em consequência da descoberta da infidelidade da esposa.
Em junho de 1893 Conselheiro e seus
seguidores chegam e se estabelecem no município de Monte Santo, Província da
Bahia, no povoado conhecido como Canudos, às margens do rio Vaza-Barris, local
escolhido para a fundação do seu Belo Monte.
Antônio Conselheiro nasceu em 1830 e
faleceu, conforme depoimento de sobreviventes da Guerra do fim do mundo, em 22
de setembro de 1897 vitimado por uma caminheira , segundo uns, ou por um
ferimento provocado por estilhaço de granada, de acordo com outros; quando já
se esfacelara, entre os escombros de um povoado em chamas pelos fogos de quatro
expedições militares e o sacrifício de milhares de brasileiros, o sonho de um
sertão diferente e a utopia de uma sociedade mais justa.
SANTO ANTÔNIO DE QUIXERAMOBIM: BERÇO
NATAL DO PEREGRINO
Ainda que muitos biógrafos, baseados em
Studart, registrem o ano de 1828 como sendo o de nascimento do Conselheiro e
outros, o ano de 1831; a descoberta de sua certidão de batismo nos arquivos
eclesiásticos de Quixeramobim fixa em definitivo o ano de 1830 como sendo o de
natalício do líder religioso.
Quanto à origem do apóstolo sertanejo,
parece não haver qualquer discordância. Antônio Vicente Mendes Maciel era filho
de Vicente Mendes Maciel e de Maria Joaquina de Jesus, mais tarde (1834) também
Maciel em decorrência de seu casamento in articulo mortis com Vicente, tendo
nascido em 13 de março nas terras localizadas às margens do rio Ibu que haviam
pertencido aos padre Antônio Rodrigues Frazão e Gil Miranda, e, posteriormente,
ao capitão-mor Antônio Dias Ferreira, (natural do Porto) que nelas estabelecera
a fazenda Santo Antônio do Boqueirão e uma igreja consagrada ao mesmo santo.
Nessa fazenda surgiria um pequeno povoado e, mais tarde (1755), a Freguesia de
Santo Antônio de Quixeramobim, depois Vila Nova do Campo Maior do Quixeramobim,
berço natal de Antônio Conselheiro.
O ANTÔNIO TESTEMUNHA DO CASAMENTO DE
VICENTE E MARIA
De acordo com Macedo (1964, p 105), foram
testemunhas do casamento dos pais de Antônio Maciel, realizado em 31 de agosto
de 1834 pouco antes do falecimento de sua mãe, José Raimundo Façanha. e José
Antônio de Barros. Mais um Antônio no vasto elenco da tragédia
Conselheiro-Canudos.
ANTÔNIO CUNHADO DE ANTÔNIO
Viúvo, Vicente Maciel casaria em segundas
núpcias com sua parenta Francisca. Dessa união nasceria Rufina, meio-irmã de
Maria, Francisca e Antônio Vicente.
Em 7 de novembro de 1855, já órfã de pai e
educada pelo irmão Antônio a caçula Rufina contrairia núpcias, no sítio Riacho
do Meio, paróquia de Quixeramobim, com Marcos Antônio de Almeida. Outro Antônio
da fase cearense da história do futuro Conselheiro.
O TIO-AVÔ PATRONÍMICO DO CHEFE DO POVO
DO VAZA-BARRIS
Em Antônio Conselheiro (Montenegro, 1954, p
7-10), o autor discorre sobre a genealogia do futuro peregrino construtor de
igrejas e as lutas de extermínio travadas nos sertões cearenses, nas primeiras
décadas do século XIX, entre os clãs dos Carlos ou Maciel (ancestrais do
Conselheiro) e os Araújo. De acordo com aquele pesquisador, Antônio Vicente era
sobrinho-neto de Antônio Maciel, que teria sido assassinado, juntamente com o
irmão Miguel Carlos Maciel, seu avô paterno, a mando dos Araújo e Veras, entre
as fazendas Convento e Araras, em 9 de junho de 1833. Assim, o nome do
profeta-peregrino derivaria da justaposição dos prenomes do tio-avô e do pai.
OS JUÍZES PROTETOR E PERSEGUIDOR DOS
MACIEL
Era Juiz de Direito da Comarca de
Quixeramobim, ao tempo das lutas dos Maciel e Araújo, o dr. José Antônio de
Maria Pereira Ibiapina, mais tarde o famoso Padre Ibiapina - missionário
construtor e provedor de casas de caridade, igrejas, hospitais e cemitérios em
várias províncias dos sertões nordestinos -, amigo dos Maciel e que tentara
dissuadir Miguel Mendes Maciel (também chamado Miguel Carlos Filho) de vingar o
duplo assassinato que vitimara seus pai e tio. Ibiapina foi sucedido no cargo
pelo juiz leigo Antônio Duarte de Queiroz - parente dos Araújo e que viria a
insuflar a perseguição aos ancestrais do Conselheiro.
A IGREJA DOS SACRAMENTOS DO BATISMO E
MATRIMONIO E SEU PÁROCO
Antônio Vicente casou-se com sua prima
Brazilina Laurentina na Matriz de Santo Antônio de Quixeramobim às 20 horas do
dia 7 de janeiro de 1857. Nesse mesmo templo também havia se casado em segundas
núpcias seu pai Vicente com sua madrasta Francisca Maria e, em sua pia
batismal, o futuro peregrino recebeu o primeiro sacramento da Igreja de Cristo
em 2 de maio do mesmo ano de seu nascimento.
Era pároco da matriz local, por ocasião das
núpcias de Antônio e Brazilina, o cônego Antônio Pinto de Mendonça, licenciado
para assumir uma cadeira de deputado provincial na Câmara e substituído
interinamente pelo padre José Jacinto Bezerra. Assim, por pouco, não foi também
um Antônio que oficiaria o matrimônio de Antônio Vicente com Brazilina na
matriz de Santo Antônio.
A CASA DA RUA SANTO ANTÔNIO - ENDEREÇO
DO JOVEM COMERCIANTE E SEU
PROPRIETÁRIO SUCESSOR
Montenegro (1954, p 12) conta que: "A
3 de setembro de 1857, Antônio e Brazilina vendiam ao coronel Antônio Rodrigues
da Silva a casa de comércio e morada, sita à rua Santo Antônio (hoje: Rua
Cônego Aureliano Mota, n. 210), com cinco portas de frente e com armação de
loja e balcão, herança do pai e sogro, pela quantia de $ 2.223.000." Assim,
também a rua onde o futuro Conselheiro e líder religioso passara a infância e
juventude e onde se iniciara nas atividades comerciais sucedendo o pai, bem
como o novo proprietário da casa da família Maciel, ambos, se denominavam
Antônio: nome-signo de uma tragédia que a História ainda estava por escrever.
TRÊS ANTÔNIOS E UMA HIPOTECA
Em 3 de junho de 1856 o tabelião Francisco
Antônio de Castro e Silva lavrou a escritura de hipoteca da casa da rua Santo
Antônio - herança de Vicente Maciel para seus filhos - como garantia da dívida
de uma transação comercial (compra de gêneros) feita pelo falecido pai do
Conselheiro, no valor de dois contos de réis, tendo como hipotecário Manuel
Francisco da Cunha. Foram testemunhas desse ato Pedro José de Matos e Antônio
Batista de Moraes e procurador do arrematante na quitação da mesma dívida o sr.
Manuel Antônio Ferreira Nobre.
DOIS ANTÔNIOS E A PENHORA DOS BENS DE
ANTÔNIO CONSELHEIRO
Corria o ano de 1871 e Antônio Maciel, com
dificuldades financeiras, era citado como réu no foro de Quixeramobim para
pagamento da insignificante dívida de $ 168.268 em uma ação decendiária e
consequente embargo e penhora de bens, em querela intentada pelo credor José
Nogueira de Amorim Garcia. Lavrou essa sentença de embargo e penhora de bens do
réu o Juiz Municipal dos Termos Reunidos de Quixeramobim e Jaguaribe Mirim, dr.
Antônio Pinto de Mendonça, em 29 de julho de 1871. Foi depositário particular,
nesse ato em que foram penhorados os seguintes bens dos Maciel: "duas
éguas novas, dois potros de muda, um potrinho e uma potrinha, um novilhote e um
bezerro, um relógio de prata desconcertado, uma corrente de ouro para o mesmo,
(...), avaliados em $ 270.000”, o tenente Antônio Augusto de Oliveira Castro.
A CAPELA DE SANTO ANTÔNIO - CATEDRAL DO
IMPÉRIO DO REI DOS JAGUNÇOS
Para o professor José Calazans, em recente
depoimento concedido a este pesquisador, o império conselheirista teria
conhecido três templos: uma capela construída antes da chegada de Conselheiro,
possivelmente transformada mais tarde no Santuário (residência, sede do-
governo local e túmulo do líder dos jagunços), um templo inacabado, de
proporções bem maiores do que o anterior (dedicado ao Bom Jesus, cuja
construção teria sido o pivô da guerra fratricida), e uma pequena igreja
construída pela gente de Antônio Maciel, abençoada em louvor a Santo Antônio e
marco de fundação do arraial.
O PROPRIETÁRIO DA FAZENDA MOCAMBO
Ainda na fase de peregrino dos sertões,
Antônio Conselheiro edificaria, em 1882, na fazenda Mocambo (hoje município de
Olindina) de propriedade do médico dr. Antônio Ribeiro, uma capela sob a
invocação de São João Batista, demolida em 1961. Do antigo templo resta,
apenas, seu cruzeiro, também da lavra de Conselheiro.
ANTÔNIO - MESTRE DE ANTÔNIO
Vicente Maciel, bem-sucedido comerciante de
Quixeramobim, pensou em encaminhar seu filho Antônio para a vida sacerdotal.
Não tendo podido realizar seu desejo, o pai do Conselheiro contratou o
professor Manoel Antônio Ferreira Nobre para ministrar aulas de português,
latim e francês ao seu filho.
OS ANTÔNIOS DO SÉQUITO DO CONSELHEIRO
Alguns autores referem-se ao grupo dos
principais seguidores de Conselheiro como Os 12 apóstolos e o descrevem
diversamente quanto aos seus integrantes. Todavia, entre as figuras
proeminentes do Belo Monte quase sempre são mencionadas:
Antônio
Beatinho
Segundo J. Calazans (1986, p 16-7):
"Antônio Beato talvez até não fosse rigorosamente um beato, senão um zelador
de imagens, encarregado de tomar conta das coisas da igreja, com direito de
morar no Santuário, perto do Santo Conselheiro. (...) Antônio Beatinho, cujo
nome de família não se guardou, foi o mais comentado dos grandes jagunços. O
único que falou para a história na hora crepuscular da sua gente."
O papel de porta-voz de seu povo para a
História, atribuído corretamente ao jagunço por Calazans, refere-se ao episódio
de 2 de outubro de 1897 quando Beatinho, em nome de alguns sobreviventes,
portando trapos, à guisa de bandeira branca, apresentou-se às tropas legais
para, depois de prestar depoimento aos repórteres presentes (entre eles: F.
Nunes, D. Barreto, H. de Macedo Soares, M. Horcades e, duvidosamente, E. da
Cunha), ser degolado, seguindo o exemplo de seus infelizes companheiros.
Antônio
da Mota
Provavelmente o único jagunço do séquito
conselheirista a ser eliminado por seus pares com o consentimento ou a omissão
do Bom Jesus Conselheiro. Antônio da Mota foi assassinado, juntamente com seus filhos
varões, por Vicentão a mando de João Abade, sob a acusação de traição ao seu
povo no combate de Uauá, quando da Primeira Expedição, comandada pelo tenente
Pires Ferreira.
Compadre de Conselheiro e comerciante já
estabelecido na região do Vaza-Barris à época da chegada do grupo de Antônio
Maciel, Antônio da Mota, natural dos sertões de Canudos, teria sido assassinado
em consequência de uma sangrenta competição pela conquista do monopólio
comercial do Belo Monte, a mando de Antônio Vilanova e João Abade, o primeiro,
concorrente dos Mota nos negócios locais e o último, força militar do arraial.
Antônio
Vilanova
Cearense como seu líder, Vilanova, nas
palavras de Calazans (1986, p 58): "negociante sagaz e abastado, dirigia a
economia e a política. Seus vales corriam como dinheiro vivo; resolvia as
pendências locais, desempenhando o papel de juiz de paz. Fazia boa liga com
João Abade, o 'comandante da rua' , encarregado de manter a ordem e defender o
arraial na sua qualidade de chefe da 'guarda católica'." Seu nome de
batismo era Antônio Francisco de Assunção tendo ganho, junto com sua família, a
denominação de Vilanova, depois que veio negociar na localidade baiana do mesmo
nome - Vila Nova da Rainha (hoje: Senhor do Bonfim).
No seu Memorial de Vilanova, Nertan Macedo
(1964), baseado em depoimento de Honório - irmão e compadre de Antônio, ambos
sobreviventes da chacina de Canudos - narra a aventurosa fuga da família
(Vilanova) de Canudos para o Ceará, após a morte de Conselheiro. Na sua terra natal
o grande negociante e político da Tróia de taipa faleceu aos 50 anos de idade,
enquanto seu irmão Honório viveu mais de um século para se tornar, no dizer de
Calazans, o "memorialista de Canudos".
Antônio
Pajeú
Comandante de piquetes de destacado papel
na derrota da Terceira Expedição, Pajeú - para o escritor sertanejo José Aras,
Antônio Pajeú, ex-policial pernambucano, originar-se-ia de Pajeú das Flores,
localidade que lhe dera o nome de guerra. O cronista Manoel Benício (1899, p
168) assim descreve esse Leônidas de ébano do Belo Monte: "Negro,
ex-soldado de linha, enxotado e perseguido pela polícia de Baixo-Verde em
Pernambuco (...) onde cometera diversos crimes."
O professor José Calazans (1986, p 40)
destaca a dúvida sobre a verdadeira data de morte do guerrilheiro que, na
obra-prima do poeta de Os Sertões está fixada em Julho de 1897 (em meio à
Quarta Expedição), enquanto Lélis Piedade sugere que tenha ocorrido em outubro
(ao final da mesma expedição militar).
Antônio
Fogueteiro
Não são muitas as referências a este antigo
seguidor de Conselheiro. Sabe-se, entretanto, que um certo Antônio, cognominado
de Antônio Fogueteiro, desde os tempos do arraial de Bom Jesus (fundado por
Conselheiro, depois Vila Rica, hoje Crisópolis) ou antes, seria o encarregado
da preparação dos fogos de artifício com os quais se iluminavam os céus
sertanejos nas noites das festas de sagração das igrejas e nos novenários
promovidos pelo construtor-peregrino. Segundo alguns, A. Fogueteiro seria o
fabricante da munição utilizada nos velhos clavinotes e demais armas de caça
dos jagunços do Belo Monte. Há mesmo um relato de que o coronel Moreira César
teria sido mortalmente vitimado por um projétil feito de chifre de boi
produzido pela fábrica de material bélico de Antônio Fogueteiro.
Antônio
Calixto do Nascimento
Também mencionado entre os combatentes de
Antônio Conselheiro, Antônio Calixto do Nascimento teria sido, para Cristina
Coin (1992, p 28), o comandante da Guarda Católica ou, o que parece mais
provável, um dos comandantes dos piquetes responsáveis pela defesa do arraial
do Belo Monte. Sob seu comando se inscreveriam cerca de seiscentos homens
armados.
Antônio
Marciano dos Santos
Natural do Riachão do Dantas, Sergipe,
Marciano de Sergipe, como também era conhecido esse fiel seguidor de Antônio
Conselheiro, teria afirmado, quando do conselho para deliberar sobre a fuga do
arraial após a morte de Conselheiro (depoimento de Honório Vilanova à Nertan
Macedo): "Pois se o Conselheiro morreu eu quero morrer também". A
derradeira vontade desse leal jagunço foi cumprida: morreu "cortado pelas
juntas, pernas, braços e dedos, e olhos furados" (Calazans, 1986, p 50) o
combatente e homem abastado da família do tenente-coronel José Siqueira de
Menezes - destacado comandante militar da guerra sertaneja -, que, por ocasião
de sua adesão ao grupo conselheirista, teria doado considerável soma de
recursos financeiros para financiamento do projeto da grande utopia do povo de
Antônio Maciel.
Antônio
dos Pocinhos
Outro personagem do drama canudense,
Antônio dos Pocinhos - tio do cronista sertanejo José Aras -, teria abandonado
o povoado antes de seu trágico fim, decepcionado com a fraqueza de Conselheiro
no episódio do massacre da família de Antônio da Mota ordenado por Antônio
Vilanova e João Abade, como já mencionado.
ANTÔNIO POLÍTICO
Em 1876, de passagem por Itapicuru, Antônio
Conselheiro foi preso sob a acusação (mais tarde revelada infundada) de haver
cometido o duplo homicídio que teria vitimado suas mãe e esposa em terras
cearenses. Era Presidente da Província da Bahia o Dr. Luiz Antônio da Silva
Nunes na época em que o Bom Jesus Conselheiro chegou à capital baiana para, em
seguida, ser deportado para sua terra natal.
O ANTÔNIO CAÇADOR DE ANTÔNIO
Também Antônio era o alferes (Diogo Antônio
Bahia) designado para comandar o destacamento de 15 soldados da Polícia Baiana
que, em 15 de abril de 1876, no município de Itapicuru, prendeu e conduziu à
Salvador, sob sevícias, o Conselheiro juntamente com seus seguidores Paulo José
Rosa e José Manoel Estevam.
O ANTÔNIO ALGOZ DE ANTÔNIO
O mais famoso e temido comandante militar
que a caatinga sertaneja sepultou:
"Capitão
Moreira César
quatorze
guerras venceu
a
terceira não inteirou
no
Belo Monte morreu".
Trova
popular de Sergipe (Apud Calazans, 1989, p 7)
Na realidade o capitão cantado pelo
repentista sergipano é o coronel Antônio Moreira César, militar de temperamento
violento, comandante do Exército Republicano que se notabilizou nas lutas em terras
catarinenses durante a Campanha Federalista e que os jagunços apelidaram de o
corta-cabeças para perpetuar a fama de combatente sanguinário que o militar
adquirira nas pelejas florianistas.
Comandante da Terceira Expedição contra
Canudos e de um efetivo de cerca de 1600 combatentes, companhias de artilharia
- com quatro canhões - e de cavalaria, além de engenheiros- militares e
médicos, o temido militar seria ferido a frente de sua tropa no assalto de 3 de
março de 1897 contra a cidadela conselheirista, vindo a falecer na madrugada do
dia seguinte, horas antes da debandada do Exército Nacional que, além da perda
de seus principais comandantes e de grande número de seus combatentes, viu
também cair em poder das forças inimigas o equipamento e a munição que iriam
sustentar a guerra jagunça nos seus derradeiros combates frente à Quarta
Expedição, sob o comando do general Artur Oscar e o plano logístico do marechal
Bittencourt (Ministro da Guerra do governo de Prudente de Morais) deslocado
para o teatro de operações na fase final dos combates.
MORRO DE SANTO ANTÔNIO - PRELÚDIO DO
ALTO DA FAVELA
Localizado na cidade do Rio de Janeiro,
então Distrito Federal. O Morro de Santo Antônio foi o local de estacionamento
do Sétimo Batalhão de Infantaria (do Cel. Moreira César) - "o melhor corpo
do Exército" no dizer do general Epaminondas Ferraz Cunha - ao regressar
de Santa Catarina e antes de seguir para Canudos e a desastrosa derrota do
Morro da Favela.
O ANTÔNIO HOSPEDEIRO DO CORONEL CÉSAR
Em sua progressão pelas caatingas
sertanejas demandando Canudos, entre Monte Santo e Cansanção, o coronel Moreira
César teria sido acolhido por Antônio Reduzino, morador da fazenda
Quirinquinquá ou Quirinquinquao, por ocasião de um ataque de epilepsia, ou
ainda, dado rancho a alguns soldados doentes da expedição, por solicitação de
seu comandante.
OUTROS ANTÔNIOS COMANDANTES
Na batalha de 18 de julho de 1897, durante
a quarta e última expedição militar contra o Belo Monte, destacaram-se os
comandantes das tropas republicanas: cel. Antônio Olímpio da Silveira -
comandante da Segunda Brigada, constituída pelos 15, 16 e 28 batalhões - e o
capitão Antônio Afonso de Carvalho - comandante da guarnição do canhão
Withworth 32 (a terrível e famosa matadeira para os jagunços) que, assentado no
alto da Favela, bombardeou e destruiu as igrejas da gente libertária dos
sertões.
OS ANTÔNIOS CURAS
O quadrilátero
político-militar-eclesial-jagunço da epopeia sertaneja também incluiu, entre seus
protagonistas, pelo menos, dois importantes curas de nome Antônio. Foi também
homônimo do Conselheiro o bispo dom Luiz Antônio dos Santos, autor da célebre
carta- circular dirigida (e algumas vezes não acatada) aos seus párocos, quando
do início da vida nômade do pregador cearense pelos sertões da Bahia,
orientando-lhes para que não permitissem as prédicas do apóstolo peregrino
entre os membros do seu rebanho. Entre os vigários que desobedeceram a
orientação do bispo baiano estava o padre Antônio Agripino da Silva Borges, da
paróquia de Itapicuru, simpatizante de Antônio Conselheiro que o havia ajudado
na construção do muro do cemitério local.
OS ANTÔNIOS MÉDICOS
A tragédia de Canudos inclui entre os seus
Antônios-protagonistas pelo menos dois médicos a serviço das forças federais:
-Dr.
Antônio/Antonino Alves dos Santos - Médico-adjunto à Primeira Expedição
(novembro de 1896) sob o comando do tenente Pires Ferreira, que teria
enlouquecido no teatro de operações de Uauá, ante a violência dos combates do
pequeno destacamento de cerca de cem soldados contra os mais numerosos, porém
mal-armados jagunços de Antônio Conselheiro.
O professor José Calazans salienta, com
base em um relatório assinado pelo próprio médico da Primeira Expedição Militar
contra Canudos (cópia depositada nos arquivos do Núcleo Sertão da UFBA), que o
seu verdadeiro nome seria Antonino e não Antônio, e ainda, que o mesmo não
teria enlouquecido, conforme informações de Euclides da Cunha, mas, apenas,
sofrera violenta crise emocional que o afastara das funções médicas
temporariamente;
-Dr.
Antônio Rodrigues da Cunha Mello - De acordo com a parte de combate do
tenente-comandante da 1a. Expedição, o facultativo civil que substituiu o seu
infeliz colega, Dr. Antônio (ou Antonino) Santos, no atendimento aos feridos de
Uauá foi o Dr. Antônio Rodrigues da Costa Mello - mais um Antônio que
inscreveria o seu nome na história da luta trágica do povo religioso do
Vaza-Barris.
UMA JAGUNÇA CHAMADA ANTÔNIA
Talvez a mais importante sobrevivente das
mulheres do Belo Monte, Antônia Jardelina de Alencar, esposa de Antônio
Vilanova, foi ela, entre as jagunças, aquela que ocupou o papel de
primeira-dama da comunidade. De fato, seu marido, também sobrevivente da
guerra, e que, junto com o irmão e compadre Honório e familiares, evadiu-se de
Canudos (levando alguns bens) após a morte do Conselheiro, além de representar
o poder econômico local, também controlava a vida política do povoado.
O ANTÔNIO MISSIVISTA
Em carta ao barão de Geremoabo (importante
líder político da região e grande inimigo de A. Conselheiro), datada de Tucano,
7 de março de 1897, Antônio Cerqueira Gallo relataria o fracasso da Expedição
Moreira César e sua preocupação com o destino da população das localidades
adjacente à Canudos face à suposta ameaça de ataque por parte dos jagunços
conselheiristas. Assim, o drama das caatingas iria conhecer também um
importante missivista de nome Antônio - mais um protagonista do trágico destino
da Cidade do Sol sertaneja.
O ANTÔNIO SOBREVIVENTE
O jornalista, escritor e canudólogo
sertanejo Oleone Fontes, em recente conversa com este articulista, revelou a
existência, na localidade de Serra Branca, entre Euclides da Cunha (antigo
Cumbe) e Canudos, de um certo Raimundo, filho ou neto de Antônio Jagunço,
sobrevivente da Guerra e do massacre do Belo Monte. Salvo ainda bebê, nos
derradeiros dias de combate, ou mesmo, dos escombros do arraial incendiado;
levado e entregue por uma alma caridosa para uma senhora conhecida por Dadá,
que o criou, o nosso Antônio sobrevivente adotaria o nome de Antônio Sesmaria
(mais conhecido como Antônio Jagunço) e teria vivido em Bom Jardim, vindo,
posteriormente, a gerar descendentes, entre os quais o referido Raimundo e Godô,
filhos ou netos desse Moisés do Vaza-Barris.